Francis Kéré, arquiteto, educador, ativista social, tem uma história incrível. Ele é o primeiro homem negro a receber o mais importante prêmio de arquitetura, o Prêmio Pritzker, concedido em 2022. Nasceu em Burkina Faso - um dos países mais pobres do mundo, com baixíssimos índices de educação, sem água potável, eletricidade e infra-estrutura.
Filho mais velho do chefe da aldeia, ele foi o primeiro da sua comunidade a frequentar a escola. Só que na vila de Gando, onde ele vivia, não tinha escola, por isso deixou a família aos sete anos e foi estudar em Tenkodogo. Sua pequena sala de aula foi construída com blocos de cimento, sem ventilação e luz. Preso naquele clima extremo com mais de cem colegas, por horas a fio, ele prometeu um dia tornar as escolas melhores.
Em 1985, ele vai para Berlim com uma bolsa para estudar carpintaria, aprendendo a fazer telhados e móveis durante o dia, e frequenta as aulas secundárias à noite. Em 1995, recebe uma bolsa de estudos para frequentar a Universidade técnica de Berlim e gradua-se, em 2004, com um diploma em arquitetura.
Embora longe de Burkina Faso, Kéré nunca abandonou as vivências de sua terra natal e seu privilégio por ter tido a oportunidade em desenvolver seus estudos Criou a fundação “Schulbasteine für Gando eV”, traduzida para “blocos de construção escolar para Gando”, em 1998, para arrecadar fundos e defender o direito da criança a uma sala de aula confortável. Seu primeiro edifício, Gando Primary School (2001, Gando, Burkina Faso), foi construído por e para o povo de Gando. Os moradores se engajaram atuando diretamente no trabalho desde a concepção até a conclusão, criando quase todas as partes da escola à mão, guiados pelas formas inventivas de materiais tradicionais e acessíveis e engenharia moderna do arquiteto.
“Eu cresci em uma comunidade onde não havia jardim de infância, mas onde a comunidade era sua família. Todos cuidaram de você e a vila inteira era seu playground. Meus dias eram preenchidos com a garantia de comida e água, mas também simplesmente de estarmos juntos, conversando juntos, construindo casas juntos. Lembro-me da sala onde minha avó se sentava e contava histórias com um pouco de luz, enquanto nos aconchegamos e sua voz dentro da sala nos envolvia, convocando-nos a chegar mais perto e formar um lugar seguro. Este foi o meu primeiro sentido de arquitetura.”
“Considerava meu trabalho uma tarefa privada, um dever para com esta comunidade. Mas cada pessoa pode ter tempo para ir e investigar as coisas que já existem. Temos que lutar para criar a qualidade que precisamos para melhorar a vida das pessoas.”
O trabalho de Keré é um exemplo emocionante de como podemos construir ações significativas a partir de uma percepção profunda do lugar de onde viemos, do lugar da nossa existência, do lugar comunitário. O seu trabalho é permeado pela delicadeza de entender as fragilidades locais, vividas por ele, mas sobretudo em perceber as potências, aquilo que está disponível para a comunidade na própria comunidade. Em nenhum momento ele buscou trazer para sua comunidade o que não fazia parte da natureza local e isso faz de seu trabalho uma espécie de poética da sustentabilidade. Quais os nossos recursos? O que temos de riquezas possíveis para o nosso trabalho? São perguntas que começam como ponto de partida para aquilo que queremos construir. Isso não significa que em determinados momentos a gente busque no exterior recursos que nós não temos, mas é importante que nesses momentos tão frágeis, como os que nós vivemos, a gente possa olhar todas as nossas forças, o que temos localmente, e isso significa olhar para os aspectos materiais e os aspectos humanos, o conhecimento e a abundância naturalmente disponíveis.
Conhece o trabalho dele aqui: https://www.kerefoundation.com/de